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sexta-feira, 16 de março de 2012

Algumas considerações iniciais sobre o "plea bargain".

Normalmente não tenho colocado artigos de outros aqui no meu Blog, mas este artigo do New York Times vale a pena: "Go to Trial: Crash the Justice System". O autor do artigo é um advogado defensor dos direitos fundamentais (ou civil rights, na terminologia deles) e relata a sugestão de uma colega de uma reação de todos os réus para negarem fazer acordo e, com isso, levar à falência o sistema judicial dos E.U.A.

Num resumo muito apertado e trazendo para o linguajar brasileiro, o sistema norte-americano permite que o promotor ofereça um acordo ao indiciado e evitar o processo criminal e o julgamento. Embora varie um pouco em cada Estado, o sistema dá uma grande liberdade às partes sobre como pode ser o acordo, incluindo permitir que o promotor e o réu negociem que este admita culpa de um crime e cumpra a pena, sem julgamento. Há duas obrigações gerais: o promotor tem que apresentar ao réu as provas que possui e ambos têm que ir ao juiz, onde este perguntará ao réu se ele sabe exatamente o que está aceitando e se ele aceita de livre vontade.[Mais detalhes podem ser encontrados aqui]

No Brasil, o instituto que mais se aproxima disso é a Transação Penal prevista no art. 76, da Lei 9099/1995, que, na sua concepção original, era para ser quase a mesma coisa, mas em razão do entendimento do STF de que a aplicação da pena não pode ser feita sem um processo mais amplo, acabou por reduzir a Transação a algo muito similar à Suspensão Condicional do Processo, prevista no art. 89 da mesma lei - ou seja, o descumprimento do acordo não implica aplicação da pena, mas sim retomada da ação penal com oferecimento da denúncia.

Pois bem, o autor daquele artigo do NY Times apresenta duas faces do sistema de "Plea Bargaining" norte-americano, que, atualmente, representa algo em torno de 90 a 95 % dos casos levados às cortes criminais dos E.U.A. De um lado, o sistema permite o rápido julgamento e evita a falência do sistema criminal. De outro, porém, leva, em alguns casos, à assunção de culpa por pessoas inocentes para evitar o processo criminal e, neste caso, é relatado o exemplo de uma mãe de família que aceitou pagar uma multa e cumprir um "probation" (algo como o livramento condicional brasileiro), mas, em função do "etiquetamento social" e outras consequencias, acabou por perder o emprego, a residência e a guarda dos filhos.

Em palestra recente proferida a juízes federais da Quarta Região, foram apresentadas outras críticas a este sistema, pois, segundo outros artigos publicados nos E.U.A., há casos de “blefes” ou “ameaças” por parte dos Promotores, com provas que, às vezes, não tÊm, e, ainda, casos em que jogam com a opinião pública e com o desgaste de um processo criminal no qual os custos (os honorários advocatícios são muito altos) e o tempo do processo já são uma sanção, pelos quais, ainda que absolvido, o réu sai moral e psiquicamente arrasado; isso também ficou evidenciado pela descoberta de vários casos de inocentes que foram condenados (alguns no corredor da morte) cuja inocência só foi demonstrada com os avanços nos exames de DNA, posteriores aos casos em que houve os acordos (RAMOS, João Gualberto Garcez. Processo Penal Norte-Americano. In: CURRÍCULO PERMANENTE MÓDULO IV – DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL. Florianópolis: Auditório da Justiça Federal, 21 out. 2011. Anotações do curso)

Enfim, se de um lado o sistema brasileiro tem os seus defeitos (excesso de formalismo e recursos nos ritos procedimentais, número elevado do feitos criminais que poderiam ser resolvidos mediante transações que, se descumpridas, pudessem ser executadas, duplicidade de benefícios processuais e materiais, etc), o norte-americando também apresenta uma face negativa.

Uma lição que se pode tirar dessas considerações é a aplicação do velho adágio aristotélico de que a virtude está no meio termo entre dois excessos. Talvez um sistema híbrido pudesse atender à eficiência do modelo norte-americano retirando seus defeitos, ou seja, permitir um "plea bargaining" com controle judicial para evitar concentração de poder nas mãos de um único órgão (Ministério Público) com reforço dos sistemas de defensoria dativa. Esta posição intermediária se colocaria entre os dois sistemas, obtendo as vantagens de um (resolução rápida de casos criminais, aplicável em quase 95 %) com as do outro (controle externo dos acordos).

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