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quarta-feira, 16 de novembro de 2011

O dilema da "honestidade irracional" ou "razão desonesta".

Em seu livro "Justiça Política", Otfried Höffe apresenta um interessante problema: o dilema do pingente (ou o surfista de trem, adaptando à realidade brasileira), que usa o transporte público sem pagar, prejudicando os demais, que usam o ônibus e arcam com os custos daquela locomoção desonestamente gratuita [para simplificar este "post" - que discute os fundamentos da estratégia de coação para cumprimento das normas -, não entro na discussão acerca da falta de investimentos no serviço público de transporte e nem na gritante diferença das realidades brasileira e alemã].

Usando outras palavras, se o sistema pressupõe que todos serão honestos, então caso uma pessoa resolva ser desonesta, ele terá as vantagens do sistema (ônibus), sem as desvantagens (custos). 

Se o honesto perceber a possibilidade de desonestidade de alguma outra pessoa, então o racional, para ele, será ser desonesto, pois do contrário ele será uma presa fácil para os outros.

Num primeiro momento, o dilema aponta para uma certa racionalidade dos desonestos.

Porém - e aqui vem o "pulo do gato" -, se todos forem livres ilimitadamente para serem desonestos, então a convivência comum seria impossível, pois haveria a luta de todos contra todos e uma desconfiança geral que impediria qualquer empreendimento comum (como imaginar um contrato de promessa de compra e venda se ninguém confia em ninguém e não há nenhuma garantia ?).

De outro lado, se todos renunciarem voluntariamente à sua liberdade ilimitada, aceitando algumas limitações, o racional, para cada um, será agir de forma desonesta, a fim de obter maiores vantagens.

Como todos perceberiam isso, o caos estaria instalado, pois todos se tratariam segundo a medida exclusiva de suas forças e o "direito a tudo" se transformaria num "direito a nada".

Claramente Otfried pressupõe que a Moral irá refrear estes impulsos para alguns, mas não todos, o que parece um pressuposto pragmático correto, uma vez que, ainda que a grande maioria das pessoas obedecesse às leis apenas por um sentimento moral, a pequena minoria a-moral ou i-moral se aproveitaria.

Logo, tanto a liberdade ilimitada de todos quanto a liberdade limitada sem coação geram situações racionalmente propensas à desonestidade; como a longo prazo a desonestidade geral não compensa, este dilema é usado por Otfried para demonstrar e justificar a necessidade da sanção organizada para assegurar a liberdade.

Assim, só é possível ser verdadeiramente livre se houver um sistema que preveja penas para aqueles que forem desonestos por não renunciarem à liberdade ilimitada. Então, a liberdade possível é a liberdade com renúncia à parcela da própria liberdade.

Ao resultar na máxima de que a impunidade gera a desonestidade, a discussão pode parecer "chover no molhado", porém, do ponto de vista filosófico, a argumentação tem suas consequencias práticas interessantes:

[1] deixa clara a necessidade de um sistema de coerção;

[2] afasta a tese da Anarquia (vista como a ausência de um sistema institucionalizado - formal ou informal - de coação);

[3] torna irrelevante a discussão entre o Estado de Natureza Hobbesiano x Estado de Natureza Rousseau; e

[4] justifica, moralmente, a pena como reação à conduta ilegal.

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