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terça-feira, 25 de outubro de 2011

Círculos quadrados ?

Já se disse que o Direito pode transformar o preto em branco e o branco em preto.

Será mesmo ?

Poderia o Direito dizer que o círculo é um quadrado ?

Revogar a lei da gravidade (risos) ?

Um exemplo dado pela literatura como o de tornar círculos quadrados foi o ocorrido na África do Sul, durante o regime do Apartheid, quando eram proibidos os casamentos interraciais. Para viabilizar o seu casamento, um dos nubentes conseguiu, na Justiça, alterar sua qualificação, mudando da raça branca para a negra. A lei, então, alterou os efeitos jurídicos daquela qualificação civil.

Enquanto norma produzida no mundo das ideias dos homens a fim de controlar suas próprias condutas, a lei não altera, por si só, o mundo dos fatos, mas apenas, em certa medida, o comportamento das pessoas e, com isso, se for o caso, alterar os fatos. Impor sanções a condutas não desejadas ou dar incentivos para condutas desejadas poderá fazer com que, agindo desta ou daquela forma, as pessoas alterem, por sua vontade, a realidade.

Um exemplo deixa isso bem claro.

Imagine-se uma lei cujos únicos artigos fossem:
Art. 1o. Extingue-se o desemprego no Brasil.
Art. 2o. Esta lei entra em vigor na data de sua publicação.

Alguém tem alguma dúvida de que, no dia posterior à publicação, a lei simplesmente não surtiria efeito nenhum ?

A Lei poderia, sim, estudar o fenômeno econômico e criar as condições para que o desemprego diminuísse (redução dos tributos e encargos trabalhistas ? redução de taxa de juros ?) e, se realmente as condições da conduta das pessoas imposta pela lei corresponder à realidade econômica, então a lei poderá, neste caso, contribuir para a redução do desemprego.

É bem verdade que, em muitos casos, para poder simplificar as questões e viabilizar uma decisão, o Direito cria regras fundadas em ficções que fogem daquilo que é a realidade dos fatos.

Assim é que, por exemplo, um carro a 79 Km/h causará tantos danos num acidente de trânsito quanto um a 81 Km/h. O conhecimento do ilícito é o mesmo para quem tem 17 anos, 11 meses e 20 dias  de idade e quem tem 18 anos e 1 dia.

Creio, porém, que o tema é mais profundo do que se imagina e dou dois exemplos de casos que julguei.

Certa feita, julguei uma ação demolitória no qual a casa construída invadia poucos centímetros da faixa não edificável vizinha a uma BR. Ponderei, naquele caso, que o perigo era mínimo e não justificava a demolição. O Tribunal manteve a decisão.

Em outro caso, uma empresa pedia uma liminar contra a restrição a manobras para navios com até 250 metros de comprimento, alegando que suas embarcações tinham poucos metros a mais (salvo engano, 252 metros no total). Neguei o pedido porque, dentre outros argumentos, a informação técnica que estava no processo dizia que os dois metros excedentes ao limite de segurança eram relevantes, pois representavam um deslocamento maior do navio com influência na realização da curva de giro, gerando sérios riscos de acidente e também de afetar a captação de água para o município. Neste caso, a diferença, aparentemente irrisória, era importante e poderia ter efeitos práticos altamente lesivos.

A conclusão - ainda que temporária - é que a lei não pode, por si só, alterar a realidade dos fatos, mas pode contribuir para a sua alteração, seja incentivando ou vedando algumas condutas, seja atribuindo efeitos jurídicos diferentes da realidade; pode, ainda, reduzir a complexidade do exame da vida real para facilitar o trabalho do jurista criando ficções, mas, neste caso, sempre atento à realidade, para não construir um castelo jurídico sobre nuvens de realidade.

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