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sexta-feira, 23 de setembro de 2011

O Dia do Medo.


Conta-se que, em 1745, mesmo ameaçado pelo imperador alemão, que queria desmanchar um moinho que atrapalhava a paisagem do seu palácio, o velho moleiro recusou-se a entregar as suas terras, dizendo: “ainda há juízes em Berlim”.
No dia em que o juiz tiver medo de julgar conforme a sua consciência, não haverá quem viva tranquilo.

Se o juiz tiver medo de julgar por represália do Executivo ou do Legislativo, não haverá quem reconheça a responsabilidade do Estado por violar o direito alheio. Foi um juiz federal que, em 1978, durante a ditadura militar, condenou a União pela morte do jornalista Vladimir Herzog. Diariamente, centenas de segurados que tiveram seu direito violado pelo INSS são atendidos pelo Judiciário, que atua de forma imparcial para avaliar o direito a uma aposentadoria ou à sua revisão.

Se o juiz tiver medo de julgar por ser punido ou mesmo corrigido pelas instâncias superiores, não haverá quem reconheça novos direitos, como foram reconhecidos, de forma inédita, pelos juízes de primeiro instância, a indenização por dano moral, os direitos das companheiras antes da lei da união estável, o direito a medicamentos, inclusive para o tratamento de doenças como AIDS, os direitos dos casais homossexuais à pensão por morte, o assédio moral, dentre outros.

Se o juiz tiver medo de julgar por conta da repercussão na mídia, os inocentes proprietários do famoso caso “Escola Base”, injustamente acusados de abuso sexual de menores, teriam sido condenados. Aliás, o maior erro judiciário da história da humanidade foi produzido por um juiz que, diante do “clamor social”, lavou as mãos, condenou Jesus e soltou Barrabás.

Se o juiz tiver medo de julgar por ameaças de criminosos e por não haver proteção à sua integridade, então o crime terá vencido o Estado e o cidadão.

A liberdade de consciência do juiz não é para ele. É para a população. Sem ela, não há imparcialidade e nem direito que seja garantido ou há justiça que possa ser feita. Quando julga, o juiz não atende ao seu interesse. Ele atende a uma das partes que precisa daquela ordem para garantir o seu direito.

As recentes manifestações dos juízes federais, que culminaram com um dia de paralisação no dia 27 de abril, são reações às tentativas de intimidação, que não são contra eles, mas sim contra aqueles a quem atendem.

Ao contrário dos outros poderes, os juízes não têm armas. Não têm o poder econômico e não têm o costume de ir à mídia. O Judiciário é o mais fraco dos poderes e por isso é necessário resguardá-lo.

O Judiciário só tem a sua legitimidade constitucional e ela só pode ser alcançada se houver independência que assegure a imparcialidade. As ofensas a esta imparcialidade são ofensas aos cidadãos. Se estes não puderem recorrer a um juiz, não terão mais quem lhes atenda e, aí sim, será o dia do medo para todos.

(Artigo publicado originalmente no Jornal "Notícias do Dia", em 11/5/2011).
Alguns dias depois ele foi publicado no blog do Frederico Vasconcelos, o que gerou vários comentários - contra e a favor.

Tentei respondê-los da seguinte forma:

Originalmente ele foi escrito para ocupar reduzido espaço de um jornal impresso, daí a impossibilidade de abordar outros temas.

Por isso, também, a inviabilidade de citar os diversos casos de direitos reconhecidos pelo Judiciário e de arrolar os infelizes equívocos decorrentes do chamado clamor social.

Quanto à sensação de impunidade, talvez o Judiciário ainda não consiga expressar para a Sociedade o imenso volume de trabalho realizado diariamente. Pontuo, por exemplo, o número expressivo de condenações, inclusive por crimes tributários e de colarinho branco, que os Tribunais Federais julgam semanalmente em suas câmaras criminais, mas que não chegam ao conhecimento do grande público. O mesmo se dá em relação aos milhares de benefícios previdenciários e assistenciais, ações de concessão de medicamentos, indenizações por dano moral, ações de improbidade etc. que são julgados. Talvez a discrição exigida dos magistrados e a linguagem técnica dos julgados sejam explicações para a dificuldade que temos de levar ao público as nossas dificuldades.

No mais, é impossível ao Judiciário agradar a todos, seja porque ninguém até hoje conseguiu isso, seja porque, num processo, uma das partes irá sair descontente (quando não são ambas, quando ocorre o julgamento parcialmente improcedente). Além disso, o Juiz não pode correr atrás das provas e/ou dos fatos, e, muitas vezes, injustamente, responde pela culpa de serviço mal realizado que não é o seu.

Reconheço que erros são cometidos. Isso é próprio da natureza humana, que é suscetível a falhas.

Quando ocorrem, não são por vontade e existem remédios processuais para consertá-los (recursos). Os casos de má-fé são raros - e acontecem em qualquer profissão (ex. vi padres pedófilos, jornalista homicida, médico estuprador etc.) - e, quando ocorrem, são a exceção da exceção que, infelizmente, ganham mais notoriedade do que a imensa maioria de casos de juízes que trabalham para tentar fazer o melhor possível diante do volume de processos e do tamanho das expectativas que são levadas pelos cidadãos.

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