Postagens populares

quarta-feira, 23 de junho de 2021

O método IRAC para redação de peças jurídicas.

 Observação inicial: o texto a seguir é uma tradução e adaptação livre que fiz para servir de material complementar para curso EAD disponibilizado aos servidores da Justiça Federal de Santa Catarina no ano de 2020, com base base na bibliografia referenciada ao final. Como não sou tradutor, pode haver limitações; por isso, caso necessário, recomendo a leitura dos materiais originais em inglês. 


O quê é “IRAC”?

IRAC significa “Issue”, “Rule”, “Application” e “Conclusion”. Traduzo-os livremente por Questão, Regra, Subsunção e Conclusão. É uma maneira de estruturar a análise jurídica de um problema a partir dos fatos, característica do método norte-americano de ensino e de como eles percebem o fenômeno jurídico.

 Pode ser usado tanto para dissecar um julgamento já realizado quanto para responder um questionamento a partir dos fatos dados. Um artigo, parecer ou resposta (=“brief”) segue, em geral, a estrutura do IRAC, que é organizado em torno de cada um desses elementos para cada questão identificada no problema jurídico. A estrutura permite distinguir imediatamente o problema que o tribunal enfrentará (questão); as leis relevantes a serem usadas no julgamento (Regra), como os fatos do caso se aplicam à regra (Subsunção); e o resultado esperado (Conclusão).

 O IRAC é uma ferramenta útil para organizar textos com respostas para artigos jurídicos. Não é a única maneira de estruturá-la, mas ajuda a garantir que todos os aspectos legais sejam cobertos. Ao unir as regras e os fatos de uma forma contínua e lógica, o IRAC serve como ferramenta para organizar pensamento e escrita. Se o caso envolver várias questões, o processo IRAC pode ser usado para cada problema identificado.

Como fazer o “IRAC” 

1. Declare a Questão

A resposta começa a partir dos fatos apresentados no problema. Eles definirão qual a questão a ser decidida e ela é o elemento mais importante na análise. Deve ser definida de forma a mostrar o quê está controvertido. Para encontrar a questão, pergunta-se: "o que está controvertido nesses fatos?" ou, ainda, “qual a questão que, se respondida, determina o resultado do caso?”. A questão legal une a regra aos fatos específicos do problema identificado. A sua definição depende da controvérsia jurídica apresentada pelos fatos. Obviamente, é necessário conhecer a lei para encontrar a questão jurídica envolvida.

 A questão deve ser declarada como uma pergunta específica, e não genérica. Seria certo perguntar “a ex-esposa mantém-se como dependente previdenciária se não recebe alimentos do ex-marido?”, mas seria incorreto perguntar “a autora vai ganhar a pensão?”. 

Deve-se usar a estrutura "se, quando" para ajudar a isolar e escrever uma declaração de problema, mas com cuidado para não cair no clichê específico de sempre usar a mesma expressão "a questão é se". Ela pode ser usada para começar a orientar o pensamento: "A questão é se…”; e, em seguida, identificar a conclusão jurídica que se imagina que deve ser tomada. 

Exemplo: “A questão é saber se João fez uma proposta irrevogável quando enviou um email contendo o título oferta e mencionando com valor e prazo para aceitação”. Outro exemplo: “Discute-se se Maria perde o direito à pensão previdenciária quando se separa sem exigir obrigação de prestação de alimentos do seu ex-marido”. 

2. Declare a(s) norma(s)

Depois de ter a questão, deve ser declarada a norma. Apresente-a como um princípio geral e não uma conclusão particular para o caso concreto. A regra e os fatos estão intrinsecamente ligados. A análise dos fatos não fará sentido a menos que primeiro seja identificada a regra que determinará o significado jurídico a ser atribuído a esses fatos. 

Podem ser usados blocos de construção para descrever a norma jurídica, considerando: (a) fatos geradores; (b) definições legais; (c) as exceções à regra geral; (d) os limites legais previstos para a regra – fatos modificativos ou suspensivos –; e (e) as defesas oponíveis – fatos extintivos.

Ao escrever, recomenda-se usar a hierarquia de conceitos e diretrizes: (1) indo do geral para o específico e (2) definindo cada termo jurídico.

Devem ser identificadas as conseqüências jurídicas da aplicação da regra (“o que acontecerá?”) no caso concreto descrito e qual será seu efeito prático.

 

3. Análise dos fatos à luz da lei (Subsunção)

A análise ou aplicação é o cerne da discussão e geralmente a maior parte da resposta.

Os fatos devem ser usados de forma a explicar como a regra levará à conclusão.

Uma das maneiras recomendadas é combinar a Norma, tal como decomposta no item anterior, com os fatos. As questões levantadas pelos fatos são examinadas à luz da regra. A declaração da regra conduzirá a organização da subsunção. Cada elemento identificado anteriormente na regra deve ser associada a um fato, usando a palavra "porque" (ou outro conectivo causal) para fazer a conexão entre regra e fato. 

"Porque" é a palavra mais importante a ser usada ao escrever a análise. 

Usar a palavra "porque" força que seja feita a conexão entre a regra e o fato. Também podem ser usadas as palavras "como" e "desde" - elas têm a mesma função que "porque" e, às vezes, soam menos redundantes quando usadas no mesmo parágrafo.

4. Conclusão

Cada subquestão deve ser concluída antes de expor a conclusão geral final. Ela não deve ser apresentada como a resposta certa ou errada, mas sim como o resultado de uma análise lógica baseada na regra e nos fatos. Exemplo: “Portanto, a União é responsável pelo pagamento da indenização por danos materiais”.

 

Exemplos de aplicação

 

Exemplos simples de “Certo vs Errado”

 

Certo

Errado

No caso, enquanto CAIO, o policial, estava realizando o teste de embriaguez em TÍCIO, ele notou que TÍCIO se encaixava na descrição de uma testemunha ocular do roubo, dando ao policial o estado de flagrância para prendê-lo.

No caso, CAIO, policial, percebeu que TÍCIO se encaixava na descrição do suspeito, fornecendo uma causa provável para a prisão, porque TÍCIO era extremamente alto, com cerca de 2 metros de altura, usava um suéter verde e marrom com manchas roxas e jacaré pontudo, tudo conforme descrição fornecida pela testemunha do roubo.

A NONONO LTDA contratou o Dr. CAIO para desenvolver um medicamento que reduzisse a perda de cabelo. CAIO Jones trabalhou em seu próprio laboratório, contratou e demitiu seus próprios assistentes e definiu o horário deles e o seu. Ele se reúne com o presidente da NONONO toda sexta-feira de manhã para discutir o progresso do projeto e, nesse momento, CAIO envia a tabela de seus custos. O Presidente da NONONO paga CAIO semanalmente.

No caso, CAIO pode ser considerado consultor autônomo da NONONO LTDA, porque ele realiza todo o seu trabalho de pesquisa e desenvolvimento em seu próprio laboratório, em uma instalação separada, onde ele tem controle direto sobre os funcionários e porque contratou seus próprios assistentes, definindo suas horas de trabalho. Ele também exerce controle direto sobre sua jornada, porque define seu próprio horário de trabalho e só se reúne com a NONONO uma vez por semana. Além disso, como ele se reúne semanalmente com o presidente da NONONO para discutir o progresso no desenvolvimento do produto para queda de cabelo, o presidente não supervisiona o diariamente o trabalho de CAIO.

  

Exemplo completo de uso de IRAC 

Texto Original (inglês)

Tradução livre

*reproduzido de “Using The I-R-A-C Structure in Writing Exam Answers”.

Obs.: foram adaptados alguns dos termos jurídicos, mas a regra original norte-americana foi mantida; ou seja, não corresponde às normas brasileiras.

Caroline was employed as a receptionist for ABC Corporation. Her desk was located at the entrance of the corporate office and her duties were to greet customers, answer telephone calls, sort mail, and respond to general requests for information about ABC. One day, while all of the managers of ABC were out of the office, a representative of XYZ Insurance Co. stopped by to solicit ABC as a new client. He told Caroline that he wanted to find out whether ABC might be interested in canceling its present employee health insurance plan and adopting a plan provided by XYZ. Although Caroline explained that none of the ABC managers were in the office, the XYZ representative nevertheless described his company’s health insurance plan in detail. When Caroline reacted by stating that XYZ’s plan sounded better than the current ABC plan, the XYZ representative immediately produced a contract for Caroline to sign. Reluctantly, Caroline signed the contract accepting the offer to adopt XYZ’s insurance plan. If XYZ seeks to enforce the contract against ABC, is ABC bound to the contract?

Caroline foi contratada como recepcionista da ABC Corporation. Sua mesa estava localizada na entrada do escritório e suas obrigações eram cumprimentar os clientes, responder telefonemas, classificar e-mail e responder a solicitações gerais de informações sobre o ABC. Certo dia, enquanto todos os gerentes da ABC estavam fora do escritório, um representante da “XYZ A Insurance Co.” compareceu para sondar ABC como um novo cliente. Ele disse para Caroline que queria descobrir se a ABC estaria interessada em cancelar seu atual seguro de saúde para funcionários e adotar um plano fornecido pela XYZ. Embora Caroline tenha explicado que nenhum dos os gerentes da ABC estavam no escritório, o representante da XYZ descreveu seu plano de seguro de saúde empresarial em detalhes. Quando Caroline reagiu afirmando que esse plano soava melhor que o plano atual, o representante da XYZ imediatamente produziu um contrato para Caroline assinar. Relutantemente, Caroline assinou o contrato aceitando a oferta para adotar o plano de seguro da XYZ. A XYZ pode exigir judicialmente o cumprimento do contrato em face da ABC?

Whether the insurance contract is binding on ABC Corp. depends on whether A had actual or apparent authority to enter into it.

First, the main issues to be addressed are stated.

Saber se o contrato de seguro é vinculante para a “ABC Corp” depende da existência de (1) autoridade real ou (2) aparente de quem assinou o contrato para fazê-lo.

Primeiro é apresentada a questão principal a ser enfrentada.

Actual authority is the agent’s power or responsibility expressly or impliedly communicated by the principal to the agent. Express actual authority includes the instructions and directions from the principal, while implied actual authority is the agent’s ability to do whatever is reasonable to assume that the principal wanted the agent to do to carry out his or her express actual authority.

Next, the applicable rules of law or legal tests to be used in analyzing the issue are explained.

(1) A autoridade real é o poder ou a responsabilidade comunicada pelo agente, expressa ou implicitamente. A autoridade real expressa inclui as instruções e informações dadas pela pessoa representada, enquanto autoridade real presumida é a aquela razoavelmente decorre daquilo que o agente é esperado fazer para cumprir a sua autoridade real expressa.

Depois, são explicadas as normas legais e os conceitos jurídicos que serão usados na subsunção.

Here, Caroline’s express authority was to answer phones, direct messages, collect and sort the daily mail, greet visitors, and schedule appointments for the company managers. Her implied authority was to do anything reasonably related to performing those duties. She was not given any express authority to sign contracts, and signing contracts was not related to or implied in her duties as a receptionist.

The rule of law or legal test is applied to the facts. Note that the facts are not merely repeated; rather, they are linked to elements of the rule or test as evidence to explain and justify the ultimate conclusion that there is no actual authority.

No caso, a autoridade expressa de Caroline era atender telefones, direcionar mensagens, coletar e classificar as correspondências diárias, cumprimentar visitantes e agendar compromissos para os gerentes da empresa. Sua autoridade implícita era fazer qualquer coisa razoavelmente relacionada ao desempenho dessas funções. Ela não recebeu nenhuma autoridade expressa para assinar contratos, e a assinatura de contratos não estava relacionada direta ou implicitamente em seus deveres como recepcionista.

A norma legal e os conceitos jurídicos são aplicados aos fatos. Observe que os fatos não são meramente repetidos; ao contrário, eles são ligados a elementos da regra ou do teste como razão para explicar e justificar a conclusão final de que não há autoridade real.

Therefore, Caroline had no actual authority to bind ABC to the contract.

Conclusion as to the first issue.

Portanto, Caroline não tinha autoridade real para vincular ABC ao contrato

A conclusão para a primeira questão.

Apparent authority arises when the principal’s conduct, past dealings, or communications cause a third party to reasonably believe that the agent is authorized to act or do something.

The general rule of law to be applied in analyzing the next issue is stated.

(2) A autoridade aparente surge quando as condutas, transações passadas ou comunicações anteriores do agente fazem com que terceiros possam razoavelmente acreditar que o agente está autorizado a agir ou fazer alguma coisa.

Apresentada a regra geral do direito a ser subsumida na próxima análise.

In this case, ABC did not communicate to XYZ that Caroline had authority to enter into an insurance contract, and no facts suggest that ABC and XYZ had done business in the past. The nature and typical responsibilities of Caroline’s position as a receptionist does not make it reasonable for the XYZ representative to conclude that she was empowered to select and approve health insurance plans for ABC’s employees.

The rule is applied to the facts. Note that the facts mentioned are those that relate to the definition of apparent authority.

Nesse caso, a ABC não comunicou à XYZ que Caroline tinha autoridade para celebrar um contrato de seguro e nenhum fato sugere que a ABC e a XYZ fizessem negócios no passado. A natureza e as responsabilidades típicas da posição de Caroline como recepcionista não tornam razoável para o representante da XYZ concluir que ela estava habilitada a selecionar e aprovar planos de seguro de saúde para os funcionários da ABC.

A regra é aplicada aos fatos. Observe que os fatos mencionados são aqueles relacionados à definição de autoridade aparente.

Thus, Caroline had no apparent authority to authorize the contract.

Conclusion for the second issue.

Assim, Caroline não tinha autoridade aparente para autorizar o contrato.

Conclusão para a segunda questão.

Because Caroline did not have either actual or apparent authority to sign the contract, it is not binding on ABC Corp.

An overall conclusion is reached as to the issue of liability.

Como Caroline não tinha autoridade real ou aparente para assinar o contrato, ele não é exigível de ABC Corp.

Uma conclusão geral é dada quanto à questão da responsabilidade contratual.

 

 

Referências utilizadas

“Briefing Cases - The IRAC Method”. California State University. URL: http://www.csun.edu/~bz51361/brief.pdf, acesso em 18/05/2020.

“Using The I-R-A-C Structure in Writing Exam Answers”. California State University. URL: https://www.csun.edu/sites/default/files/IRAC%20ANALYSIS_Saunders.pdf, acesso em 20/06/2020

“Learning to Work With IRAC”. Touro Law Center. Url: https://www.tourolaw.edu/ADP/StudySkills/IRAC.aspx, acesso em 11/06/2011.

 

Leituras recomendadas para aprofundar.

DAVID, René. O direito inglês. São Paulo: Martins Fontes, 1997. 120 p.

FEINMAN, Jay M. Law 101. 3ª Ed. New York: Oxford Press, 2010.

HUMBACH, John A. Whose Monet? An Introduction to the American Legal System. Austin: Wolters Kluwer Law & Business / Aspen Publishers, 2007.

SÈROUSSI, Roland. Introdução ao direito inglês e norte-americano. São Paulo: Landy, 2001.


quarta-feira, 10 de junho de 2015

Das condições de aplicação do NCPC aos JEF

(Artigo originalmente publicado no site Consultor Jurídico: http://www.conjur.com.br/2015-mai-31/aplicar-cpc-juizados-especiais-federais-passa-condicoes)



A aprovação do novo Código de Processo Civil (Lei 13105/2015) traz várias inovações no Direito brasileiro, algumas positivas e outras negativas, sendo oportuno indagar quais serão seus efeitos não só no processo civil ordinário, mas também em outras áreas, tais como o processo administrativo, penal, trabalhista, etc. Questiona-se, então, quais serão as inovações e limites do novo CPC no âmbito dos Juizados Especiais Federais (JEF), instituídos pela Lei 10259/2001 (LJEF). Para isso, serão apresentadas as condições de sua aplicação nos JEF a partir da previsão constitucional destes e dos critérios técnicos de solução de aparentes antinomias entre as normas.
Os juizados especiais surgiram no Brasil como uma consequência das ondas renovatórias que visavam ampliação do acesso à Justiça pela transformação do processo em algo mais informal, menos custoso e, principalmente, rápido para resolver os problemas do cidadão. A primeira regulamentação deu-se com a Lei 7244/1984, criando os juizados de pequenas causas a partir do êxito das experiências em processos de pequenos valores realizadas na comarca de Rio Grande (RS).
Com a Constituição de 1988, houve a expressa previsão da necessidade de criação dos juizados especiais (CF, art. 98, I), regulamentados em 1995 pela Lei 9099/1995 (LJE). A Emenda Constitucional 22, de 1999, previu a possibilidade destes juizados também no âmbito da Justiça Federal, o que ocorreu com a Lei 10259/2001 (LJEF) [para uma análise mais aprofundada: BOLLMANN, Vilian; Juizados Especiais Federais, p. 3-10].
Este novo sistema foi criado com várias diferenças em relação ao sistema do CPC, beneficiando o cidadão. Por exemplo, a simplificação dos procedimentos para pagamentos devidos pela Fazenda Pública, mediante requisições de pequeno valor (autorizadas pela Emenda Constitucional 30, de 2000), os juizados itinerantes (que vão a locais onde o cidadão sequer tem documentos) e a autorização para acordos envolvendo a Fazenda Pública. Também foi importante a restrição aos recursos, ressalvando os casos de concessão de liminar ou contra a sentença.
Mesmo nesses casos, os processos não vão para um tribunal, mas sim para reunião de juízes de primeiro grau (Lei 9099/95, art. 41, §1º), que podem simplesmente manter a sentença pelos seus fundamentos (Lei 9099/95, art. 46), registrando por simples ata, sem a formalidade do acórdão e demais atos que provocam atrasos do processo ordinário.
Outras características jurídicas inovadoras foram relevantes como a ausência de reexame necessário e, principalmente, o procedimento de sobrestamento dos processos quando do recebimento de pedido de manifestação do Superior Tribunal de Justiça (em recurso similar ao Recurso Especial) ou de admissão de Recurso Extraordinário pelo Supremo Tribunal Federal – que foram, em certa medida, o embrião do regime de recursos repetitivos depois estendidos para todo o processo ordinário.
Enquanto isso, no plano do processo civil ordinário, responsável por todas as demais demandas, ocorriam diversas alterações normativas no tempo, buscando dar mais celeridade. Essas alterações, já rotineiras, aceleraram-se a partir da Lei 8.952/1994, que instituiu a tutela antecipada, passando por várias leis até culminar na edição do novo Código de Processo Civil pela Lei 13.105, de 2015.
A ideia de reforma do Código de Processo Civil poderia ter sido uma oportunidade de reduzir e simplificar os vários procedimentos, padronizando rotinas com ganho de produtividade; porém, não só perdeu esta chance como criou mais recursos e etapas processuais. Poderia ter adotado soluções já exitosas, como a irrecorribilidade geral das decisões interlocutórias (exemplo dos processos trabalhistas e dos juizados) ou depósito recursal (para privilegiar aquele que teve seu direito violado), mas preferiu repetir o modelo do Código de 1973, já com 40 anos de idade.
É bom que se diga, porém, que só as leis não resolverão todos os problemas do processo civil, pois, além das questões culturais, há várias outras causas que impedem a jurisdição rápida. Cite-se, por exemplo, o excesso do número de processos, a falta de uma atuação diligente das agências e instâncias administrativas reguladoras dos setores econômicos em que existem os maiores litigantes, a ausência de real valorização das decisões de primeiro e segundo grau (com concentração e excesso de recursos nas instâncias superiores), o crescente número de repercussões gerais conhecidas e não julgadas, etc.
De qualquer sorte, aprovado o novo diploma legal, com os avanços possíveis e apesar de alguns retrocessos, este é o cenário sobre o qual os operadores jurídicos terão de se debruçar a fim de extrair os melhores resultados em prol do cidadão.
Aplicação do novo CPC no âmbito dos JEF
Sabe-se que, do ponto de vista de uma Teoria Geral do Direito, o ordenamento é uno, sendo formado por todas as leis, que geram, entre si, influências recíprocas. No caso de contradições aparentes, a doutrina elaborou diversos critérios de solução, tais como hierárquico, o temporal/cronológico, o de relação geral/especialidade. Traçou, também, padrões para resolver conflitos entre estes critérios.
A hipótese de antinomia real decorre do conflito entre critérios (conflito de 2° grau), em três casos: [1] critério cronológico versus critério hierárquico, tal como lei ordinária posterior à Constituição (prevalecendo a hierarquia já que a norma inferior não pode contrariar a superior); [2] especialidade versus cronológico, como no código posterior à lei especial — prevalecendo, então, a especialidade, já que se aplica o adágio de que a lei geral posterior não revoga as disposições contrárias; e [3] hierarquia versus especialidade, caso em que, segundo Bobbio, a solução dependerá da situação concreta, pois há dois valores em jogo, vale dizer, princípio da hierarquia versus o princípio da justiça. Por sempre prevalecerem em relação ao critério cronológico, os critérios de hierarquia e especialidade são chamados de critérios “fortes”. [BOBBIO, Norberto. Teoria do Ordenamento Jurídico,p. 81-111].
Alguns desses critérios foram positivados expressamente pelo Decreto-Lei 4567/1942, hoje denominado de Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro (LINDB). Assumem importância as suas previsões de que “a lei posterior revoga a anterior quando expressamente o declare, quando seja com ela incompatível ou quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior” (art. 2º, §1º) e “a lei nova, que estabeleça disposições gerais ou especiais a par das já existentes, não revoga nem modifica a lei anterior” (art. 2º, §2º).
Diante da expressa previsão constitucional de critérios de estruturação e funcionamento dos Juizados Especiais, a regra geral de aplicação da legislação é a de uma relação de especialidade, em oposição às normas gerais do Código de Processo Civil.
Isso porque, diante da ordem traçada pelo art. 98 da Constituição, as leis que regularam os juizados estaduais e federais são específicas para dar conta dos critérios de oralidade, simplicidade e rapidez que devem ser observados. De fato, os juizados são um sistema que, embora seja parte da estrutura regular do Poder Judiciário, destinam-se, segundo o texto constitucional, a causas cíveis de menor complexidade e infrações de menor potencial ofensivo, que seguirão procedimento oral e sumaríssimo, com forma e estrutura de julgamento recursal diferenciado (turmas de juízes de primeiro grau).
Além de ser um microssistema próprio, a LJEF diz claramente que aos juizados “se aplica, no que não conflitar com esta Lei, o disposto na Lei no 9.099, de 26 de setembro de 1995” (LJEF, art. 1º), e esta, quanto aos processos cíveis, não menciona, em regra, outro diploma legal; ao contrário, traz, em si, toda a regulamentação necessária para a sua aplicação (como regime de provas, forma de peticionamento, modo de ser das audiências, etc). Como exceções, a Lei 9099/1995 prevê no seu processo de execução a aplicação do CPC “no que couber” (LJE, art. 52, “caput”), ou na extinção do processo, quando remete “além dos casos previstos em lei” (LJE, art. 51, “caput”). E, ainda, o art. 53, da LJE, que prevê aplicação do CPC em relação à execução de título executivo extrajudicial.
A cláusula “no que não conflitar com esta lei” deve ser interpretada como uma espécie de “filtragem” das normas da Lei 9099/95, pois só podem ser aplicadas nos juizados federais se forem compatíveis com as peculiaridades destes, tais como o fato de versarem sobre causas envolvendo a Fazenda Pública (o que era vedado nos juizados estaduais  até a edição da lei 12153/2009), dentre outros.
Ademais, o novo CPC não afirma a sua aplicabilidade com relação aos Juizados Especiais. Ao contrário: ele inicia indicando a supremacia da Constituição com relação ao trato do processo civil, observando-se as normas do Código (art. 1º) e, mais adiante, complementa apontando ser aplicável supletiva e subsidiariamente nos processos eleitorais, administrativos e trabalhistas (art. 15). Logo, embora podendo, o legislador em nenhum momento previu expressamente a sua aplicação os juizados.
Seria até possível argumentar que essas regras gerais já pressupõem sua aplicabilidade nos juizados. Porém, a leitura dos demais artigos do Código revela que, quando necessário, o legislador expressamente quis a aplicação de institutos específicos no âmbito dos juizados especiais. Por exemplo, nos artigos que tratam do cabimento do incidente de resolução de demandas repetitivas (art. 985, I) e do incidente desconsideração de personalidade jurídica (art. 1.062). Aliás, ele alterou expressamente dispositivos da Lei 9099/1995 quanto a certos aspectos, o que reforça a conclusão de que a revogação parcial destes dispositivos não era automática (art. 1064 a 1066).
Apesar disso, é possível utilizar, em certos casos, a sistemática prevista no CPC, especialmente quanto a aspectos de ordem geral (exemplo: conceito de litispendência, distribuição do ônus da prova, julgamento antecipado da lide, etc.), desde que, obviamente, sejam compatíveis com os princípios norteadores dos juizados e não colidam com o que já está regrado pelas Leis 9099/1995, 10259/2001 e 12153/2009.
Diante da diferenciação constitucionalmente criada para os juizados e pela regra de especialidade para resolução de aparentes antinomias, o novo CPC, por ser um sistema geral não aplicável a casos especiais, só altera a legislação daqueles quando [a] expressamente determina sua aplicação ou [b] quando regula instituto jurídico essencial ou necessário para dispositivos daquelas leis. Em ambos os casos, por óbvio, desde que observadas as regras constitucionais de estruturação dos juizados, sob pena de invalidade.
Um ponto que merece ser lembrado, embora não seja possível esgotá-lo neste breve artigo, é que algumas das inovações do código são retrocessos tanto em relação ao CPC de 1973 quanto em relação às disposições da LJEF e da LJE.
É o caso, por exemplo, da introdução dos “embargos infringentes de ofício” disfarçado no artigo 942 como técnica de decisão (para a qual não basta o julgamento pelo juiz de primeiro grau e nem a confirmação por dois dos três desembargadores; agora, o processo terá de ser pausado para que se chamem outros dois desembargadores para que analisem tudo de novo).
Diante da cláusula geral da vedação do retrocesso, alterações como essa são passíveis de serem declaradas inconstitucionais não só por violarem o direito a uma razoável duração do processo (CF, art. 5º, LXXVIII) quando implicarem formalismos ou etapas mais lentas do que as atuais, como também quando contrariarem as regras de estruturação dos juizados especiais previstas no art. 98, da Constituição.
Três premissas
Portanto, a partir do texto apresentado, é possível traçar algumas premissas que, embora não conclusivas no sentido de uma verdade inalcançável, permitem apontar algumas conclusões. Para entendimento da aplicação do novo CPC no âmbito dos Juizados Especiais, três premissas regem a matéria.
A primeira é a de que o novo Código de Processo Civil deve observar o texto constitucional, incluindo não só o direito à razoável duração do processo, como também a distinção estabelecida para a estrutura e princípios específicos dos juizados especiais, especialmente os critérios constitucionais de estruturação dos juizados e de rito oral, sumaríssimo para causas de menor complexidade.
A segunda, os juizados especiais federais são regidos por lei especial que só prevê aplicação supletiva da lei dos juizados especiais estaduais naquilo que for compatível.
A terceira é que, diante do critério da especialidade para resolução de antinomias, bem como pela ausência de expressa previsão geral no novo CPC (embora podendo e fazendo menção em dispositivos específicos, o legislador não previu a aplicação supletiva geral para os juizados – mesmo tendo previsto para os trabalhistas, por exemplo), ele só é aplicável nos juizados naquilo que expressamente prever ou naquilo que regulamentar instituto jurídico essencial ao funcionamento dos juizados não regulamentado nas leis específicas destes.
Bibliografia
BOBBIO, Norberto. Teoria do Ordenamento Jurídico. Tradução de Cláudio de Cicco e Maria Celeste C.J. Santos. São Paulo: Polis; Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1989. 184 p.
BOLLMANN, Vilian. Juizados Especiais Federais: comentários à legislação de regência. São Paulo : Juarez de Oliveira, 2004.
_______. Mais do mesmo: reflexões sobre as reformas processuais. Revista de Processo. , v.137, p.153 - 170, 2006.
_______. Como deve ser um processo ? Disponível na Internet. URL:http://blogdofred.blogfolha.uol.com.br/2012/03/18/contra-o-debate-fechado-sobre-novos-codigos/. Colhido em 25.3.2012.
_______. O Bom, o Mau e o Ineficaz. Disponível na Internet. URL:http://ajusticaodireitoealei.blogspot.com.br/2012/04/o-bom-o-mau-e-o-ineficaz.html. Colhido em 30.04.2012.

quinta-feira, 27 de novembro de 2014

Mudar para pior: novo CPC é "muito barulho por nada".

(publicado originalmente no site Consultor Jurídico, em 2/9/2014, e no Blog do jornalista da Folha de São Paulo, Frederico Vasconcelos, em 26/08/2014.)



Prepare-se leitor que algum dia vier a precisar do Judiciário para restaurar um direito violado por uma operadora de telefonia, um banco, um plano de saúde ou alguém que lhe provocar um acidente de trânsito ou qualquer tipo de dano. Esqueçam a redução do número de recursos. Esqueçam, também, medidas mais duras contra aqueles que atrasam o processo. O projeto de novo Código de Processo Civil não traz nada disso. Aguardando a votação no Senado Federal das alterações trazidas pela Câmara dos Deputados, o substitutivo do PLS 166, de 2010, consegue a proeza de não só evitar mudanças substanciais no modo de ser dos rituais já caducos, como também traz inovações bisonhas e ressuscita antigas práticas que só retardam a marcha dos processos. Fugindo do juridiquês, para que o leigo possa entender o que está em gestação, o exame do PLS, na sua redação atual, mostra que serão mantidos os recursos que já existem e também criados novos casos, seja para ampliar os embargos de declaração, seja pela introdução de figuras curiosas.

A ideia de reforma do Código de Processo Civil poderia ter sido uma oportunidade de reduzir os vários procedimentos existentes e simplificá-los para três (um individual, com rito semelhante ao dos juizados especiais, um coletivo e um sumário documental, como o do mandado de segurança), padronizando rotinas com ganho de produtividade; porém, não só perdeu esta chance como manteve vários procedimentos especiais. Poderia ter adotado soluções já exitosas, como a irrecorribilidade das interlocutórias (exemplo dos processos trabalhistas e dos juizados) ou depósito recursal (para privilegiar o credor), mas preferiu repetir o modelo do Código de 1973, já com 40 anos de idade, e introduzir novos gargalos.

Um exemplo claro de retrocesso é a introdução de um “embargos infringentes de ofício” disfarçado no artigo 955, pelo qual, havendo um voto divergente, o órgão terá de chamar outros desembargadores para garantir possibilidade de mudança do julgamento. Ou seja, não basta o julgamento pelo juiz de primeiro grau e nem a confirmação por dois dos três desembargadores; agora, o processo terá de ser pausado para que se chamem outros dois desembargadores para que analisem tudo de novo. Ao invés de simplificar um recurso, complicaram e ainda o tornaram mais devagar. Mais um retrocesso recursal é a previsão geral de efeito suspensivo às apelações.

Outras mudanças curiosas, que isoladas até não chamariam tanto a atenção, mas que em conjunto provocarão atraso fantástico nas mãos de quem queira prolongar o processo são [1] a determinação de que as sentenças terão não só de resolver o processo (como o fazem hoje em dia), mas também a responder longos questionários, ainda que protelatórios e irrelevantes ao julgamento do processo (artigo 499), e [2] a necessidade de dar vista aos advogados de fundamentos que estes não tenham trazido ao processo (artigo 10 e 504). Em resumo, ao contrário do que acontece atualmente — em que o juiz julga o caso conforme a Constituição e a Lei —, no futuro, ao ter em mãos o processo para sentenciar, o juiz terá não só de aplicar a lei aos fatos, como também terá de verificar se as normas e os julgados dos tribunais foram citados pelas partes, pois, se não o foram, é obrigado a reabrir o processo para que estes possam examiná-los e se pronunciar previamente, gerando, na prática, uma espécie de recurso antecipado contra a decisão antes mesmo de ela ser proferida (atrasando o processo) e, ainda, a chance de mais novos argumentos e teses que terão de ser examinadas (ainda que irrelevantes ao caso) e, que, por sua vez, poderão determinar nova vista, com novas manifestações, etc.

Ou seja, a oportunidade para um verdadeiro ciclo infinito para advogados que, percebendo que perderão a causa, tenham capacidade de gerar incidentes para evitar o fim útil. Num exemplo grosseiro — mas possível diante do projeto — num acidente de trânsito comum, mesmo com todas as provas dizendo que o réu foi o culpado, se este alegar que um marciano provocou o acidente, o juiz terá de examinar este “argumento”. E se o juiz embasar sua decisão num julgado do STF que não foi citado no processo, terá de abrir vista às partes para debaterem esta decisão, dando nova oportunidade para novas teses, e assim por diante. Como não há sanção adequada à litigância de má-fé, o processo andará em círculos, tal qual um cachorro tentando morder o próprio rabo.

Aliás, nada de relevante alterado na sistemática da imposição de multas ao litigante de má-fé, que, como regra geral, depois do processo terminar, serão executadas como dívida ativa (artigo 77, parágrafo 3º). Ou seja, condenado durante o processo, a parte terá ainda mais interesse em evitar o fim deste, pois só pagará a sanção ao final. Isso se pagar, pois, como é da praxe forense, as execuções fiscais de valores inferiores a limites fixados pelo Executivo acabam sendo arquivadas. Se quisesse mesmo reduzir as chicanas processuais, o projeto teria autorizado multas maiores — e progressivas — bem como a sua cobrança antecipada.

Curiosamente, também contra a efetividade do processo, ou seja, prejudicando aquele que teve seus direitos violados e busca reparação na Justiça, mas dando mais chances aos devedores, o projeto de CPC inova ao criar um incidente de desconsideração da personalidade jurídica (artigo 133) (dando tempo ao fraudador esconder seus bens até que este incidente se resolva), inclusive para os juizados especiais (artigo 1.074) e também proíbe que sejam dadas liminares para bloquear o dinheiro ou aplicação financeira do devedor (artigo 298, parágrafo único).

Houve várias outras mudanças aparentemente pequenas, mas que gerarão no mínimo incoerência lógica, e, na prática, atrasos ao processo, tais como a inovação que começou interessante, mas terminou esdrúxula: a redistribuição do ônus da prova, isto é, a possibilidade de o juiz mudar o dever de provar de uma das partes para a outra (artigo 380); e complicado ficou porque se o juiz mudou o ônus da prova por existir dificuldade para a parte, o código previu, de forma curiosa, que não poderá fazê-lo se este ônus ficar excessivamente difícil para a outra parte; ou seja, se autor e réu disserem que não têm como fazer a prova, teremos outro ciclo contínuo de debates.

Diga-se de passagem que há flagrante inconstitucionalidade de produção da prova antecipada contra a União na Justiça Estadual (artigo 388, parágrafo 4º), outra medida que gerará prejuízo prático a diversas pessoas até que venha uma decisão final do STF.

Uma alteração na Câmara que produzirá flagrante injustiça é a inversão da capacidade de o juiz verificar os pedidos de gratuidade de justiça. Se antes o juiz poderia determinar que a parte que pede gratuidade de justiça deva comprovar a sua renda e suas despesas; agora, se a parte contrária não pedir, o juiz está impedido de fazê-lo (artigo 99, parágrafo 1º); logo, como infelizmente ocorre várias vezes na prática, se uma empresa notoriamente conhecida como lucrativa ou profissional de alta renda solicitar que lhe sejam pagas todas as despesas e a outra parte não perceber, o Estado (e o contribuinte) terão de suportar este ônus financeiro.

O regramento dos conciliadores e mediadores é outra medida que produzirá grandes prejuízos e da qual já se antevê a multiplicação de mecanismos de fraudes. Isso porque o projeto cria a proeza de instituir um cadastro aberto para qualquer um se inscrever — bastando ter feito curso a ser pago pelo próprio Estado (artigo 168, parágrafo 1º) — que serão indicados de forma aleatória para atuar nos processos (artigo 168, parágrafo 2º), em regra em local diverso e longe da fiscalização do juízo (artigo 166, parágrafo 2º) e de forma confidencial (artigo 167, parágrafo 1º). Melhor receita para abrir as portas às fraudes contra a população menos conhecedora de direitos não há! Por desconhecer a prática do que ocorre no Brasil, o projeto aparentemente não permite a conciliação ou mediação por juízes (artigo 166, parágrafo 2º), ignorando vários exemplos de sucesso nesta área, tais como milhares de conciliações em SFH oriundas de experiências de sucesso originadas em 2003 pela Justiça Federal da 4ª Região, o início dos juizados de pequenas causas em 1982, por obra de juízes estaduais de Rio Grande (RS), a conciliação nas ações de desapropriação para duplicação da BR-101 e tantas outras. Não se nega que possam atuar conciliadores e mediadores, mas vedar a participação dos juízes e querer que aqueles atuem de forma sigilosa, sem fiscalização, é, infelizmente, abrir as portas para a fraude. Basta uma singela pesquisa na internet pelos termos “fraude juiz arbitral” ou “picarbitragem” e são apontados desdobramentos que vão desde apreensão de centenas de carteiras de “juiz arbitral” (inclusive possibilitando porte de arma de fogo), vendas de cursos ou expedição de citações e intimações com ameaça de condução coercitiva. Não é à toa que o CNJ, no passado, foi acionado pela OAB justamente para investigar entidades deste quilate; entendendo ser ilegal o uso de carteiras funcionais, utilização de armas da república e denominação de juiz ou tribunal, o CNJ encaminhou para o Ministério Publico cópias daquelas acusações (CNJ, PP 0006866-39.2009.2.00.0000).

Uma das grandes “novidades” que surgiriam como novo Código já são previsões que existem: a suspensão de processos que tratam de matéria conhecida no STF como repercussão geral e no STJ como recurso repetitivo. Além de nãos serem mais uma novidade — e por isso não justificarem todo um novo código — estes institutos, na prática, representam um problema prático que ainda não está equacionado. O primeiro deles, que já acontece diariamente, é a suspensão de milhares de processos deixando as partes a aguardar uma solução que poderá levar anos pelo STF. Como o número de questões em repercussão geral admitidos pelo STF (524, ou seja, 69,4% dos pedidos) é bem maior do que o número julgado (185, apenas 35,37%), a perspectiva é a de que as pessoas levem anos aguardando uma solução. O exemplo mais claro disso é a pendência do exame da eficácia, ou não, dos equipamentos de proteção para evitar o reconhecimento de tempo de atividade para aposentadoria especial: há milhares de processos aguardando e pessoas esperando para saber se vão, ou não, se aposentar. O segundo problema é que, se e quando julgadas cada uma destas questões, haverá a necessidade de avaliar em cada processo qual a repercussão do julgado do STF/STJ, bem como verificar as consequências individualizadas — imagine, caro leitor, no exemplo de processos previdenciários parados por vários anos, milhares de situações sendo analisados uma a uma para verificar se em cada um deles calcular o tempo que resultou do julgado e verificar se houve outro(s) pedido(s) de aposentadoria concedido(s) neste intervalo de tempo para fazer a compensação de valores devidos? Aquilo que poderia ser feito pouco a pouco terá de ser feito em lote, ocupando todos os juízes e servidores por tempo incalculável.  E apesar dos problemas já perceptíveis em pouco tempo, esta sistemática adotada no STF e no STJ será reproduzida aos tribunais!

É bem verdade que tais circunstâncias não decorrem do projeto em si, mas elas são um claro sinal dos problemas que surgem com reformas feitas com pensamento teórico e pouco pragmático. Neste passo, não se pode deixar de lamentar que, ao contrário de outros países realmente federativos, em que o Direito pode e deve se atentar às circunstâncias de cada lugar, o Brasil se constitui num estado cada vez mais centralizado. Isso gera um paradoxo: a mesma Constituição que exalta o princípio federativo (artigo 18 e artigo 60, parágrafo 4º, inciso I) e reconhece as desigualdades regionais que precisam ser reduzidas (artigo 3º, inciso III), prevê um Tribunal Superior para manter uma uniformização da interpretação do direito federal — STJ — e um mecanismo para cassar decisões que tenham aplicado a lei de forma diferente — Recurso Especial (artigo 105, inciso III, alínea ‘c’). Contudo, como imaginar uma aplicação totalmente igual para a regra de que o tempo de serviço exige prova material (artigo 55, parágrafo 3º, Lei 8213/1991) na região metropolitana de São Paulo e para as populações ribeirinhas do Amazonas, que sequer têm certidões de nascimento? Como pressupor que uma linha de pobreza imaginária de renda per capita seja a mesma para Brasília e para o interior mineiro de Itinga, no coração do Vale do Jequitinhonha, com uma das menores rendas do país? Os crimes de proteção dos costumes, o reconhecimento de “contratos verbais” e outros fatos sociais devem ter a mesma interpretação em cidades de 10 mil habitantes, no interior do país, que é dada nas capitais?  A aplicação da lei deve desconhecer que vivemos num país com tantas desigualdades econômicas, sociais, educacionais e de oportunidades?

Para que não se diga que todas as “inovações” são ruins, há itens que poderão auxiliar, como a previsão de gravação audiovisual das audiências (artigo 374, parágrafo 5º) — a exemplo do que ocorre atualmente nos processos penais — e uma regulamentação da fixação de honorários advocatícios (artigo 85), que, porém, poderiam ter sido inseridos no atual CPC sem criar todo um novo diploma legal para isso.

Por fim, sobrevoando as reflexões apresentadas, é possível traçar algumas conclusões. A primeira é a de o projeto de novo Código de Processo Civil não trará mudanças estruturais simplificadoras do “modo de ser” do processo, optando por mudanças no geral cosméticas, de aparência. A segunda é a de que trará mudanças que, em vez de acelerar os processos, irão criar mais incidentes e demoras na resolução, em prejuízo ao cidadão que teve seu direito violado. O projeto será lançado com festa — mas nada alterará — e produzirá diversos livros novos e palestras ou cursos a serem feitos. Em conclusão, “muito barulho por nada”, parodiando famosa peça de Shakespeare; se aprovado, o novo CPC confirmará a máxima de que nada é tão ruim que não possa piorar.

sábado, 30 de novembro de 2013

As metas do Judiciário: três reflexões.

Publicado originalmente no site Consultor Jurídico, em 29/11/2013.




Neste momento em que os dirigentes do Poder Judiciário se reuniram no VII Encontro Nacional do Judiciário e estabeleceram as metas para 2014, é importante fazer algumas reflexões sobre os números e prazos a serem estipulados.
De 2009 até hoje os tribunais brasileiros, sob a coordenação do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), têm realizado encontros para definir “Metas” de produção, que passam por estruturação interna (informatização e capacitação de servidores), produção (identificar e julgar processos distribuídos até certa data) e outros (uso de sistema bacenjud, criação de controle interno e planos estratégicos plurianuais aprovados pelos desembargadores).
Porém, esta geração anual de metas merece uma reflexão sobre o seu significado para atender ao cidadão, já que a dicotomia entre números e prazos está levando o Poder Judiciário para este tipo de dilema entre quantidade e qualidade. Embora não se despreze o valor que as técnicas de administração têm, é necessário refletir sobre o modo de produção destas metas.
Por isso a necessidade de discutir três temas fundamentais: [1] o procedimento de elaboração das metas; [2] a finalidade delas e [3] a quem devem servir.
[1] A primeira reflexão é sobre a forma de criação destas metas, hoje elaboradas unicamente pelas cúpulas dos tribunais. Há uma máxima da ciência da administração que diz que “sem envolvimento, não há comprometimento”. Isto é, para engajar pessoas numa ação, é conveniente e necessário integrá-las no processo de decisão que entendeu ser necessária aquela atividade. Não é por outro motivo que as formulações de planos estratégicos do mundo corporativo prevêem a participação dos colaboradores no estabelecimento das metas e projetos estratégicos a fim de que auxiliem na identificação dos problemas e na apresentação de alternativas de solução — e, com isso, envolvam-se no processo de gerar resultados positivos.
Não adianta, porém, chamar ao diálogo os tribunais, representados por seus presidentes, para decidirem sobre as metas e prioridades do Judiciário se estes formulam suas decisões sem ouvir os juízes de primeira instância. Isso porque, espalhados por todo o Brasil e fazendo audiências, são os juízes de primeiro grau que têm o contato direto com os problemas dos cidadãos. Somente assim poderão indicar, por exemplo, se o orçamento, que é um cobertor curto, será melhor aproveitado para novos equipamentos ou para reformar um Fórum com rachaduras — coisas que muitas vezes passam despercebidas dos grandes centros de decisão diante da distância geográfica existente.
Um exemplo histórico dos resultados de se os juízes que estão na linha de frente é o hoje conhecido “Conciliar é legal”, que nasceu dos problemas e soluções levantados com representantes dos Fóruns Nacionais dos Juizados Especiais estadual (Fonjaje) e federal (Fonajef), que, em 2005, participaram do evento promovido pelo CNJ: “I Encontro Nacional de Coordenadores dos Juizados Especiais – Estaduais e Federais”. Deste encontro, em que juízes federais e estaduais levantaram em conjunto a visão e a missão dos Juizados, foram realizadas reuniões no ano de 2006 em que, dentre outras iniciativas, surgiu o Movimento pela Conciliação e a atual campanha “Conciliar é legal”, para que, dentre outros objetivos, houvesse o apoio institucional do CNJ para vencer a resistência existente nos órgãos do Executivo Federal de realizar as conciliações já autorizadas pela Lei 10259/2001.
Outro exemplo exitoso é a realização pelos Tribunais Regionais do Trabalho das chamadas Semanas Institucionais, nas quais os juízes são convocados para um evento no qual são debatidos não apenas temas jurídicos, mas também administrativos e orçamentários. Nestas reuniões e nestes diálogos surgem soluções para problemas que afligem os jurisdicionados.
Por isso, é importante que o CNJ aprimore seu processo de formulação de metas convidando os Tribunais para a elaboração destas, mas também é fundamental que ele recomende ou indique a estes que promovam o debate com os juízes de primeiro grau, seja dentro da estrutura da nova Rede Colaborativa de Governança (instituída pela Portaria 138, 23 de agosto de 2013, da Presidência do CNJ), seja por uma reformulação da Resolução 70, CNJ, para deixar clara a necessidade de a participação de todos juízes.
[2] Uma segunda reflexão que se faz necessária é sobre a função das metas. Seriam elas um fim em si mesmo? Parece claro que não. Ou seja, não basta discutir se vai ser cumprido oitenta ou noventa por cento de uma meta ou se os processos a serem julgados são os distribuídos até o ano X ou Y. O que importa, mesmo, é identificar os motivos pelos quais não se consegue cumprir uma determinada meta para que estes obstáculos sejam removidos por reformas administrativas ou legislativas.
Houve casos, por exemplo, de processos criminais antigos, que não puderam ser julgados porque o réu estava foragido, com prisão preventiva decretada e o processo suspenso nos termos do artigo 366, do CPP, mas, sendo localizado poucos meses antes de encerrar o ano em que deveria ser julgado, impediram o cumprimento integral da meta. Assim, indaga-se: é mais importante saber que a meta não foi 100% cumprida ou dela tirar lições para que no futuro os processos tramitem mais rapidamente? Discutir medidas administrativas e legais que dêem solução é mais importante do que discutir se devem ser desconsiderados das metas de julgamento os processos de execução fiscal que não puderam ser encerrados por falta de pagamento de honorários de perito pela Fazenda Pública.
As metas tem que ter uma função clara: identificar os obstáculos administrativos, legais e processuais que impedem a realização do direito fundamental à duração razoável do processo. A importância da meta se dará, então, não porque foram burocraticamente cumpridas, mas sim porque permitirão identificar quais soluções são necessárias para que o cidadão tenha um Judiciário de qualidade.
Somente com este viés proativo é que, por exemplo, a meta 18 de 2013 (“julgar, até o fim de 2013, os processos contra a administração pública e de improbidade administrativa distribuídos ao Superior Tribunal de Justiça, à Justiça Federal e aos estados até 31 de dezembro de 2011”) - agora meta 4 para 2014, só poderá adquirir importância se permitir diagnosticar os motivos de eventual lentidão no julgamento. Independente do grau de cumprimento da meta, os seus frutos virão não apenas dos julgamentos, mas sim dos diagnósticos dos motivos que levaram ao não cumprimento total. Seria a falta de uma atuação do Ministério Público? Seriam entraves administrativos dos órgãos que foram vítimas? Dificuldade na citação dos réus? Falta de servidores? Excesso de processos na vara? Legislação processual sem poderes para exigir o cumprimento de medidas? Ausência de peritos ou verbas para pagamento de laudos técnicos no interior do país? Excesso de recursos? Falta de capacitação dos juízes e servidores? Ausência de especialização de varas por matéria? Prerrogativa de foro? Quais destes fatores são mais importantes?
Por isso, dentro de um cronograma de trabalho relacionado com as metas do Poder Judiciário deve haver uma etapa em que sejam convidados os juízes que não puderam cumprir as metas para apontarem quais foram os problemas que tiveram.
Afinal, não se pode ficar correndo para cumprir metas sem que estas não gerem ações estratégicas para vencer os obstáculos, sob pena de nos próximos vinte anos estarmos ainda discutindo qual percentual das metas e quais anos devem ser incluídos ou não, repetindo os mesmos problemas sem solução.
[3] Por fim, a terceira reflexão é sobre a quem devem servir as metas. Quem é o seu principal interessado? A resposta parece evidente: o cidadão. Logo, qual o sentido das metas no Poder Judiciário que obrigam realizar atos como uma produção em série de uma fábrica, sem que se tenha o tempo necessário para uma boa audiência de conciliação, uma boa sentença e que se aplique o melhor direito possível diante das peculiaridades de cada caso. Seremos tal e qual o personagem de Charlie Chaplin no filme “Tempos Modernos” no qual o operário é engolido pelas máquinas?
O juiz vocacionado, que fez uma faculdade esperando poder fazer Justiça, qualquer seja este conceito (Justiça Liberal ou Justiça Social), deseja poder dizer o Direito e pacificar uma relação social, uma relação de trabalho ou bem julgar uma causa criminal separando o inocente do culpado — para poder reparar a vítima.
Porém, diante da ausência de meios materiais, de tempo necessário e do excesso de processos, deverá ele se transformar num mero gestor ou num repetidor de soluções carimbadas?
O que vale mais, cinco audiências bem feitas durante uma tarde ou vinte feitas na correria apenas para cumprir metas? Será que o jurisdicionado ficaria contente com uma audiência na qual é feito um acordo que ele não entende? Será que gostaríamos de ir a um médico e sermos atendidos em cinco minutos por alguém que sequer olha nossos exames?
Decidir se alguém deve ser submetido ao cárcere exige muito cuidado e ponderação, que só podem ser alcançados com tempo para a adequada análise do caso. É necessário tempo para as audiências de conciliação entre cônjuges que se separam ou entre patrões e empregados. Ninguém que vai ao Judiciário gostaria de participar de uma audiência de cinco minutos, espremida no meio de outras dezenas porque há um prazo fixado de cima para baixo para que o juiz cumpra cegamente. O mesmo se diga para decisões sobre meio ambiente, direitos do consumidor etc. Todos estes processos exigem tomar em consideração os diversos lados da questão, ponderar sobre a melhor resposta possível à luz da Constituição, o que não é possível se o juiz tem sob a sua guarda milhares processos para processar e julgar.
Logicamente que o Judiciário tem que usar as ferramentas administrativas para melhor gerir seus recursos. É natural que, sem utilizar as modernas técnicas de gestão (como também não estão os demais Poderes do Estado Brasileiro), o Poder Judiciário, ao iniciar os seus debates, sinta a necessidade de fazê-lo em alto grau de cobrança, o que levou a uma primazia na exigência de um juiz administrador. Porém, o pêndulo entre o “juiz gestor” e o “juiz que faz justiça” tem que voltar para um ponto médio, pois, como já alertava Aristóteles, a virtude é um meio termo entre dois excessos.
Aliás, o relatório Justiça em Números de 2012 (ano base 2011) demonstra que houve um aumento de produtividade do Judiciário (7,7 %), mas o aumento ainda maior do número de demandas (8,8%)! Com isso, tendo a mesma estrutura e fazendo mais do mesmo, sujeitos a cobranças cada vez maiores, os juízes e servidores atingirão um ponto que, na Engenharia, seria chamado de fadiga de material, se é que isso já não está ocorrendo, dado o número crescente de lesões por esforço repetitivo atingindo os juízes e servidores integrantes do Judiciário.
Por fim, sobrevoando as reflexões apresentadas, é possível traçar algumas conclusões. A primeira é a de que o processo de elaboração das Metas Nacionais do Poder Judiciário deve envolver não apenas os Tribunais, mas também os juízes, servidores e cidadãos, para que elas reflitam, de fato, aquilo que é possível e necessário para uma Justiça de qualidade. Além disso, este envolvimento gerará metas mais condizentes com a situação real do Judiciário e um comprometimento no seu cumprimento, uma vez que aqueles que decidem em conjunto se sentem mais responsáveis pelo resultado.
A segunda é que as Metas não devem ser buscadas cegamente, pois não são um fim em si mesmo, mas sim um instrumento para identificar os obstáculos para a Justiça e, a partir deste diagnóstico, promover sugestões de ações administrativas e reformas legais que permitam a melhoria do serviço judiciário.
A terceira é que as Metas devem ir além da visão gerencial, dos meios, para buscar os fins, que são a promoção da paz social e a afirmação da Justiça como algo concreto para todos os cidadãos. A valorização do Judiciário é importante tanto para os juízes quanto para a instituição e para o cidadão, que depende do Estado-Juiz para cumprir as promessas dadas pela Constituição de 1988.

segunda-feira, 1 de julho de 2013

Demissão de juízes e perseguição política...

Cada vez mais eu me lembro daquele poema, primeiro levaram meu vizinho, depois o outro, assim vai...

E, para citar dois casos brasileiros:

[1] Juiz Federal Fausto De Sanctis, que, depois de ordenar prisão de empresários e banqueiros, chegou a ser processado perante o Conselho Nacional de Justiça (só não sendo “condenado” porque promovido a Desembargador, vide clicando aqui) e 

[2] do Juiz Estadual Livingsthon José Machado, de Minas Gerais, que foi afastado do cargo pelo Tribunal de Justiça ao soltar, em 2005, 59 presos que ilegalmente cumpriam pena em delegacias superlotadas – curiosamente, antecipando prática que depois o CNJ veio a repetir (vide clicando aqui).


As pessoas têm que perceber que o juiz não decide para si, mas sim para eles; reconhecendo direitos que muitas vezes ainda não foram declarados pelas instâncias superiores, pois é o juiz de primeiro grau que está na linha de frente, sendo o primeiro a receber as demandas da população...

Quando vejo a hipótese de Demissão de juiz, lembro de parte de um texto que escrevi há alguns anos (clique aqui) com os motivos do medo de uma perseguição política, econômica ou de outra forma (clique aqui para a questão salarial): 


No dia em que o juiz tiver medo de julgar conforme a sua consciência, não haverá quem viva tranquilo.



Se o juiz tiver medo de julgar por represália do Executivo ou do Legislativo, não haverá quem reconheça a responsabilidade do Estado por violar o direito alheio. Foi um juiz federal que, em 1978, durante a ditadura militar, condenou a União pela morte do jornalista Vladimir Herzog. Diariamente, centenas de segurados que tiveram seu direito violado pelo INSS são atendidos pelo Judiciário, que atua de forma imparcial para avaliar o direito a uma aposentadoria ou à sua revisão.



Se o juiz tiver medo de julgar por ser punido ou mesmo corrigido pelas instâncias superiores, não haverá quem reconheça novos direitos, como foram reconhecidos, de forma inédita, pelos juízes de primeiro instância, a indenização por dano moral, os direitos das companheiras antes da lei da união estável, o direito a medicamentos, inclusive para o tratamento de doenças como AIDS, os direitos dos casais homossexuais à pensão por morte, o assédio moral, dentre outros.



Se o juiz tiver medo de julgar por conta da repercussão na mídia, os inocentes proprietários do famoso caso “Escola Base”, injustamente acusados de abuso sexual de menores, teriam sido condenados. Aliás, o maior erro judiciário da história da humanidade foi produzido por um juiz que, diante do “clamor social”, lavou as mãos, condenou Jesus e soltou Barrabás.


Se o juiz tiver medo de julgar por ameaças de criminosos e por não haver proteção à sua integridade, então o crime terá vencido o Estado e o cidadão.

A liberdade de consciência do juiz não é para ele. É para a população. Sem ela, não há imparcialidade e nem direito que seja garantido ou há justiça que possa ser feita. Quando julga, o juiz não atende ao seu interesse. Ele atende a uma das partes que precisa daquela ordem para garantir o seu direito.

quinta-feira, 16 de maio de 2013

Novos olhares sobre a PEC 33/2011: do Político ao Jurídico


(publicado originalmente no site Consultor Jurídico, com o título dado pelo site de "Características da Constituição podem gerar deturpações" )

Dois fatos recentes e aparentemente não relacionados revelam uma interessante relação entre o Jurídico e o Político, entre a técnica de solução de litígios e a esfera de discussão e decisão dos rumos da Sociedade. São eles: a discussão acerca da PEC 33 — que traria decisões do Supremo Tribunal Federal para o controle do Legislativo — e o rejulgamento da (in)constitucionalidade do limite legal de renda per capita para concessão de benefícios assistenciais. Vistos sob a ótica do democrático controle do poder, estes temas levam a algumas reflexões sobre o conflito entre autocontenção e ativismo do STF e da necessidade de redimensionar a hipertrofia do controle concentrado de constitucionalidade.

Com relação ao primeiro item, muito já foi debatido nos meios de comunicação, como a abertura que se dá ao controle político de decisões jurídicas (sobre a tênue distinção entre estas esferas, confira-se clicando aqui), ainda que sob o argumento retórico do julgamento popular no caso de discordância.

Em breve resumo, a PEC 33, de 2011, [i] impõe quóruns mais restritivos aos tribunais para declararem inconstitucionalidade de leis (quatro quintos, em geral, e três quintos, para o STF), [ii] veda concessão de medida cautelar para suspender a eficácia Emendas Constitucionais e [iii] cria uma etapa adicional tanto para as Súmulas Vinculantes quanto para decisões que declarem a inconstitucionalidade de Emendas Constitucionais (a ratificação pelo Congresso ou Plebiscito, no caso de negativa por aquele).

Se de um lado a exigência de um quórum qualificado implica uma maior valorização do princípio da presunção de constitucionalidade das leis que não é desarrazoada, de outro, o mecanismo de chamar a população a um “desempate” entre Judiciário e Legislativo — técnica que busca legitimação sob um signo aparentemente democrático — revela uma colisão frontal com duas cláusulas políticas e jurídicas relevantes que são, por essência, contramajoritárias: os direitos fundamentais e as cláusulas pétreas.

Isso porque a história demonstra o perigo de maiorias temporárias, especialmente quando conduzidas por discursos fundamentalistas, moralistas ou de medo. Veja-se os casos da Alemanha Nazista, a ditadura brasileira pós AI-5, e, mais recentemente, a Era Bush nos Estados Unidos, que, no auge, chegaram a renomear as batatas-fritas para trocar o "french fries" por "freedom fries", elegendo a tortura como meio de investigação (Para o tema: http://direitosfundamentais.net/2008/01/24/democracia-e-clausulas-petreas-minha-opiniao/ e http://direitosfundamentais.net/2010/10/26/do-consentimento-politico-ao-etico/).

Porém, e aqui reside a questão fundamental, o parecer do relator da PEC 33/2011 na CCJ da Câmara foi expresso em dizer que as medidas nasciam como uma reação a um ativismo judicial da Suprema Corte, e, neste sentido, além de discutível constitucionalidade, talvez os instrumentos previstos na referida PEC não sejam os mais adequados para alcançar esta finalidade. Isso porque, salvo algum equívoco, os debates ocorridos na mídia e nos periódicos especializados não se atentaram a um fato interessante: boa parte dos mecanismos usados pelo STF para ampliação de sua esfera de poder foram outorgados pelo Constituinte Derivado, e não pela Carta de 1988!

A Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF), a Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC), a Súmula Vinculante (SV) e a Repercussão Geral (RG) são instrumentos que nasceram por concessão de poder do Legislativo ao Judiciário no âmbito de várias Emendas Constitucionais (3, de 1993; 45, de 2004) ou leis regulamentadoras (9882, de 1999) - esta no caso da ADPF, que, embora prevista no texto original da Constituição, remetia a regulação à lei, tanto que a primeira ação só foi ajuizada em 2000.

Logo, se concedidos foram, podem, em tese, ser suprimidos ou restringidos, uma vez que não se trata de emenda tendente a abolir a separação de poderes (cláusula pétrea, conforme artigo 60, parágrafo 4º, III, da Constituição), pois esta já decorria da própria configuração original da Constituição.

É interessante notar que a redação original da Constituição já previa que, no caso de inconstitucionalidade por omissão (inclusive do Congresso), o papel do Supremo Tribunal era o de apenas dar “ciência ao Poder competente para a adoção das providências necessárias e, em se tratando de órgão administrativo, para fazê-lo em trinta dias” (artigo 103, parágrafo 2º).

Para suprir eventual falta de norma regulamentadora, a Constituição previa, e ainda prevê, o mandado de injunção, mas apenas para certos direitos (“exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania”, artigo 5º, LXXI) e desde que não estivessem regulamentados; além disso, ele gera efeito apenas entre as partes, sendo, até hoje, bastante restritiva a sua interpretação para regulação de direitos coletivos. Aliás, o julgamento do mandado de injunção não era exclusivo do STF (artigo 101, I, q), mas também de outros Tribunais, como o STJ (artigo 105, I, h) — o que demonstra a intenção original da Constituição de evitar a concentração de poder. Em resumo: segundo o texto original da Constituição, as hipóteses admissíveis de atuação construtiva do STF eram mais restritas do que o atualmente exercido.

É inegável o fato de que, na última década, o STF mudou seu perfil de deferência às decisões políticas tomadas pelos demais poderes e passou a exercer um papel mais ativo. O paradigma da atuação apenas como “legislador negativo”, restringindo a sua atuação apenas para invalidar leis que violassem claramente a Constituição, foi superado por uma espécie de “legislador positivo”, atuando nas omissões para decidir e regular questões importantes para a sociedade, com decisões obrigatórias que passam além das partes envolvidas naquele processo.

Este movimento político do STF, porém, não é algo inédito no mundo. Examinando a história da Suprema Corte Norte-Americana é possível trazer algumas lições, pois foi recheada de idas e vindas de ativismo versus autocontenção ou deferência aos demais poderes. Uma delas foi a mudança de entendimento ocorrida nos anos 30, logo após a crise econômica de 1929, quando, então, várias leis editadas por Roosevelt no âmbito do “New Deal” foram invalidadas pela conservadora Suprema Corte por cinco votos contra quatro. Como reação, em 1937, propôs-se uma lei que ampliaria o número de ministros, mas, dois meses depois, antes que ela fosse votada, houve uma mudança de entendimento de um dos ministros, validando uma lei que previa um salário mínimo no estado de Washington.

O episódio passou a ser conhecido como a “the switch in time that saved nine”. Encerrou-se, com isso, a chamada “Era Lochner”, na qual a Corte Suprema dos EUA realizava um ativismo judicial de cunho conservador. Depois disso, seguiu-se um período de deferência até a chamada “Corte Warren” (1953 a 1969), na qual retornou o ativismo, agora de cunho mais proativo, gerando o fim da segregação racial, o avanço do poder federal e a expansão das liberdades civis, dentre outros. Além destes movimentos pendulares entre ativismo e autorrestrição, o tribunal norte-americano construiu uma doutrina relacionada às questões políticas que, por envolverem o exercício de poder discricionário do Executivo ou do Legislativo, não são consideradas pela corte, tais como a rescisão unilateral de tratados e a impossibilidade de rever decisões do Congresso acerca de Impeachment do Presidente.

A experiência no mundo demonstra que a previsão teórica de convivência harmônica dos poderes entre si é, na prática, um constante e saudável choque de vontades, previsto pela própria Constituição, seja o Executivo vetando ou o Judiciário invalidando leis aprovadas pelo Legislativo, seja pela edição de normas por este para regular a atuação daqueles. Isso, porém, não é ruim; ao contrário, é da dinâmica destes embates que resulta um sistema real de freios e contrapesos que concretizam a finalidade principal da democracia e da República: evitar poderes absolutos e incontroláveis.

Porém, é possível dizer que o mecanismo de concentração de poder no âmbito do STF está ligado à valorização crescente do controle concentrado de constitucionalidade, em detrimento do controle incidental. Em linhas gerais, sabe-se que o controle de constitucionalidade pode ser de duas espécies: [1] difuso ou concreto, em que qualquer juiz pode decretar a

inconstitucionalidade e tem efeito entre as partes do processo (modelo inspirado no sistema norte-americano); ou [2] concentrado ou abstrato, quando apenas um órgão adota o julgamento, que tem efeito geral e obrigatório para todos (modelo europeu).

O Brasil tem adotado o sistema misto, no qual tanto os juízes e tribunais de apelação podem declarar a inconstitucionalidade de leis para resolver um caso entre as partes quanto o STF pode fazê-lo para gerar uma regra obrigatória para todos.

Não obstante, desde a Carta de 1988, houve uma progressiva “objetivação” e “concentração” do controle de constitucionalidade, com os novos instrumentos já citados (ADC, ADPF, entre outros.), acompanhada de técnicas de decisão, como sentenças aditivas, e mudança do paradigma de “legislador negativo”. Foi o caso, por exemplo, da EC 3, de 1993, que criou um mecanismo de imposição da interpretação dita correta pelo STF para todos os juízes: a Ação Declaratória de Constitucionalidade. Não é obra do acaso que um dos primeiros processos a declarar a constitucionalidade de uma lei foi a ADC 4, que amordaçou os juízes na concessão de liminares contra o poder público, vindo a repetir aquilo que já havia insinuado na medida provisória 173, de 1990, na qual se tentou tirar dos juízes a possibilidade de apreciar as medidas do chamado “Plano Collor”, dentre elas o confisco da poupança.

A defesa retórica desta concentração de poder político-jurídico no STF é fundada na igualdade perante a aplicação da lei, dizendo-se que a concentração de decisão no STF privilegia a isonomia ao evitar decisões contraditórias entre juízes de primeiro grau.

O problema é que tal raciocínio simplista esquece que o princípio da igualdade não é tratar a todos de forma totalmente igual, mas sim tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais. Como já dizia Rui Barbosa, em sua Oração aos Moços: “A regra da igualdade não consiste senão em quinhoar desigualmente aos desiguais, na medida em que se desigualam. Nesta desigualdade social, proporcionada à desigualdade natural, é que se acha a verdadeira lei da igualdade”.

Em outras palavras, se há uma razão importante para uma desigualdade, o tratamento deverá ser desigual, por exemplo, para proteger a parte mais fraca em uma relação econômica, tal como ocorre no Código de Defesa do Consumidor; ao trabalhador, na CLT; ao segurado, na Previdência Social, entre outros. O fundamental é que a haja uma relação razoável entre o fator usado para a distinção e a discriminação legal decidida em função dele (Sobre o tema, confira-se já clássica obra: MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Conteúdo jurídico do princípio da Igualdade).

Isso gera um paradoxo: a mesma Constituição que exalta o princípio federativo (artigo 18 e artigo 60, parágrafo 4º, I) e reconhece as desigualdades regionais que precisam ser reduzidas (artigo 3º, III), prevê um Tribunal Superior para manter uma uniformização da interpretação do direito federal — STJ — e um mecanismo para cassar decisões que tenham aplicado a lei de forma diferente — Recurso Especial (artigo 105, III, c).

Contudo, como imaginar uma aplicação totalmente igual para a regra de que o tempo de serviço exige prova material (artigo 55, parágrafo 3º, Lei 8213/1991) na região metropolitana de São Paulo e para as populações ribeirinhas do Amazonas, que sequer têm certidões de nascimento ? Como pressupor que uma linha de pobreza imaginária de renda per capita seja a mesma para Brasília e para o interior mineiro de Itinga, no coração do Vale do Jequitinhonha, com uma das menores rendas do país ? Os crimes de proteção dos costumes, o reconhecimento de “contratos verbais” e outros fatos sociais devem ter a mesma interpretação em cidades de dez mil habitantes, no interior do país, que é dada nas capitais?  A aplicação da lei deve desconhecer que vivemos num país com tantas desigualdades econômicas, sociais, educacionais e de oportunidades?

Neste ponto vale voltar ao início do texto e lembrar da importância do julgamento do ocorrido no dia 18 de abril de 2013 (para maiores detalhes clique aqui), em que, no âmbito da Reclamação 4374, o STF declarou a inconstitucionalidade do parágrafo 3º do artigo 20 da Lei Orgânica da Assistência Social (Lei 8.742/1993) que prevê como critério para a concessão de benefício a idosos ou deficientes a renda familiar mensal per capita inferior a um quarto do salário mínimo.

Da mesma forma ocorrida em outros temas, tal como a progressão de regimes nos crimes hediondos (que depois de vários anos declarada constitucional, foi revertido o entendimento do STF em 2006 no HC 82.959/SP), houve uma profunda alteração da jurisprudência.

Porém, neste caso, a modificação é muito relevante, já que a norma havia sido declarada constitucional em se de controle concentrado, e, apesar disso, juízes federais de primeiro e segundo grau mantinham o entendimento de que a limitação legal ofendia vários princípios e gerava inúmeras injustiças, como prejudicar as famílias que tinham renda pouco acima do limite legal e gastavam boa parte dela justamente com medicamentos para a pessoa que tinha necessidades especiais.

De fato, inicialmente, o STF julgou constitucional a limitação, declarando que “[i]nexiste a restrição alegada em face ao próprio dispositivo constitucional que reporta à lei para fixar os critérios de garantia de salário mínimo à pessoa portadora de deficiência física e ao idoso. Esta lei traz hipótese objetiva de prestação assistencial pelo Estado. Ação julgada improcedente.” (ADI 1.232-1, DJU, 01/06/2001), entendimento mantido por vários anos depois. Apesar disso, os juízes federais, à luz de situações concretas e não previstas pelo legislador, continuavam a compreender como inconstitucional e injusta a limitação, tendo reformadas suas decisões pelo STF em Recursos Extraordinários interpostos em face de decisões dos Juizados Especiais Federais (confira-se, dentre outros, RE 413743-7/SC, j. 04/02/2004, Rel. Min. Gilmar Mendes; RE 414.947-8/SC, j. 13/02/2004, Rel. Min. Nelson Jobim).

Ao contrário do que o senso comum imagina, a edição de leis genéricas e abstratas não é atividade fácil, pois o legislador prevê algumas situações que podem ocorrer no futuro. Porém, o decorrer do tempo, os casos concretos, as circunstâncias não imagináveis e argumentos trazidos pelos advogados aos tribunais são fatores que mostram a necessidade de adaptar ou interpretar as normas em cada um dos processos. Isso não é invenção moderna, mas sim constatação que Aristóteles já fazia na Grécia Antiga, dizendo que a equidade era necessária como uma correção da lei para o caso concreto, já que toda lei expressa ordens genéricas e é impossível fazer uma afirmação universal que seja sempre correta para todos os casos particulares. Para ele, falha não está na lei e nem no legislador, mas sim em função da natureza do caso particular, pois se aparece um caso não previsto na sua aplicação, por omissão, falha ou simplificação do texto, é correto suprir esse erro.

Agora, depois de uma década, o STF aparentemente reconsiderou sua posição, mostrando [1] a importância da evolução da jurisprudência diante de novos argumentos; [2] a necessidade de tempo para que todas as faces e circunstâncias de um problema complexo apareçam em vários processos e decisões judiciais, e, [3] por conseqüência, a primazia que deve ser dada ao controle difuso, e não à velocidade da ADI, ADPF e ADC — que concentram demais o poder de decisão, cortando a participação democrática de todo o país, representada pelas várias ações judiciais que apresentam aspectos diferentes do mesmo problema; [4] a relevância do trabalho dos juízes de primeiro grau, que estão diariamente no contato com o povo e com os advogados que os representam; e [5] a temeridade que seria de manter algum tipo de mordaça aos juízes que “ousam” julgar diferente dos tribunais superiores, já que estes podem mudar sua interpretação, muitas vezes inclusive diante das visões trazidas pela base da magistratura.

Por fim, é importante anotar que algumas características do atual arranjo constitucional brasileiro podem gerar deturpações, que, se não são problemáticas agora, podem representar um problema no futuro. A primeira é o excesso de atribuições ao STF, que, além de Corte Constitucional, também é instância para processar e julgar autoridades com foro privilegiado.

Além do excesso de ações no STF, isso cria um poder adicional que é o de controlar os agentes dos demais poderes que deveriam fiscalizar aquele tribunal. A segunda é o caráter analítico da Constituição, que regula praticamente todos os aspectos da vida social e, por isso, permite que todo tipo de demanda vire questão constitucional, por mais insignificante que seja.

Evitar que o STF se transforme em um órgão centralizador dos três poderes implica modificar suas competências não-constitucionais, acabando, por exemplo, com a prerrogativa de foro para altas autoridades, atribuição que poderia ser transferida ao Superior Tribunal de Justiça, por exemplo, ou aos juízes de primeiro grau, pulverizando este poder de forma difusa. É fácil, neste segundo caso, resolver a objeção que normalmente se levanta de que isso implicaria várias ações simultâneas contra uma mesma autoridade em diversos locais do país: basta prever que competência territorial será da vara(s) localizada(s) na sede de governo. Assim, crimes cometidos pelo Presidente da República, Senadores e outros, poderiam ser julgados em Brasília; pelo Governador, na capital do seu estado, entre outros.

De qualquer forma, à título de conclusão, sobrevoando o texto é possível afirmar que [a] o processo de hipertrofia de poder no STF, decorrente não só das técnicas outorgadas pelo Legislativo, como também de um certo ativismo derivado da superação da postura de “legislador positivo” [b] pode, técnica e constitucionalmente, ser objeto de uma certa restrição quanto àqueles, [c] retomando não só a tradição de que o controle de omissões se dá por vias excepcionais e particulares como também [d] a do controle de constitucionalidade na via incidental, feita pelos juízes e tribunais de segunda instância, [e] que tem a vantagem de permitir um maior debate sobre as questões que lhe são trazidas e [f] concretizam um verdadeiro federalismo fundado no princípio da igualdade material, e não formal.